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12 de jan. de 2012

Contradições de Dercy Gonçalves aparecem pouco em microssérie

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Quando soube que Dercy Gonçalves seria personagem de microssérie da Globo, muita gente deve ter pensado: e como vai entrar tanto palavrão na TV? Entra. Sem exagero, mas também sem disfarce, a personagem é retratada do jeito que nos habituamos a ela. Desbocada e irreverente. Hoje uns palavrões bem colocados não chocam a ninguém, presume-se. Ainda mais no horário tardio em que os capítulos vão ao ar, após o Big Brother. (Depois da experiência terminal do BBB, quem ainda pode se incomodar com alguma coisa?)
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Mas é claro que a microssérie Dercy de Verdade (quatro episódios) de Maria Adelaide Amaral, dirigida por Jorge Fernando, se propõe a apresentar muito mais que palavras de baixo calão, ditas aqui e ali. Inclusive o mais importante, o perfil de uma Dercy que pouca gente conhece e que se esconde atrás da fachada anárquica que fez a sua fama, primeiro no teatro burlesco, depois no cinema e na TV.
Ela é vista desde a juventude, quando ainda se chamava Dolores e vivia na pequena cidade de Santa Maria Madalena, no interior do Estado do Rio, com um pai repressor e violento. Nessa fase da vida, é interpretada por Heloísa Périssé. Idosa, é vivida por Fafy Siqueira, que narra sua história num palco, para uma plateia. A Dercy mais velha comenta a vida da Dercy mais jovem, o que dá dinamismo à trama. Mas também é como se filtrasse a biografia por olhar único.
A vida nada teve de alegre para uma das mulheres mais engraçadas do Brasil. Do primeiro casamento, sem sexo, ao envolvimento com um homem rico (Valdemar, por Cássio Gabus Mendes), das andanças mambembes pelo interior até a gravidez que lhe deu a filha Decimar, da falta crônica de dinheiro à doença do marido (Fernando Eiras) e dela própria, fraca dos pulmões - tudo, na vida de Dercy, parecia difícil e destinado ao fracasso. Em compensação, ela tinha um jeitão despachado de enfrentar a desventura de frente. Matava um leão por dia.
A reconstituição de época é ok, mas faltou ao primeiro capítulo uma imersão mais profunda na mentalidade do Brasil daquele tempo. Insinua-se, como pano de fundo para a história da personagem, um país mais convencional e brejeiro, mas a pintura histórica ficou a dever. Um esboço mais enérgico talvez servisse para esclarecer uma personalidade que foi além do seu tempo sem de fato deixar de a ele pertencer. A direção de Jorge Fernando, convencional, é correta e sem brilho.
O ator Ari Fontoura disse certa vez que Dercy Gonçalves inventara essa coisa estranha que é o palavrão carinhoso. Uma contradição, típica de uma pessoa cheia delas. Ficou faltando, ao menos no primeiro capítulo, aprofundar essas divisões internas de personalidade para que se entendesse como uma pessoa desbocada podia ser no fundo muito moralista. 
FONTE: Estadão

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