Com certeza, você já viu alguma produção de Walt Disney. Seja Pluto, Mickey, Pateta, o fusquinha Herbie etc. O curioso da história da Disney foi a sua defesa do patriotismo americano na Segunda Guerra Mundial. E nessa defesa patriótica, até o Zé Carioca, personagem brasileiro da produtora, foi um aliado. A intensidade do apoio acelera em 1942, mas Disney já ajudava a estreitar os laços com outros países, sobretudo latino-americanos, antes de 1939, que inicia a Segunda Guerra Mundial.
Walt Disney desejava defender os Estados Unidos. Tentou na 1ª Guerra, mas era menor de idade e só conseguiu um posto de piloto de ambulância da Cruz Vermelha depois que o conflito acabou, em 1918. Quando a 2ª Guerra chegou, em 1939, ele já era um artista conhecido e renomado - Branca de Neve e os Sete Anões, seu primeiro longa-metragem de animação, é de 1937. Usou seu talento na produção de filmes de treinamento e propaganda. Zé Carioca, o personagem brasileiro criado por ele também, é um filho do esforço de guerra e da política de boa vizinhança americanos. Entre 1942 e 1945, Disney produziu mais de 68 horas de animação de caráter patriótico. A importância do animador para as Forças Armadas dos EUA pode ser medida de forma simbólica. A senha para a maior operação americana na 2ª Guerra, o Dia D, foi Mickey Mouse.
A participação de Disney no esforço de guerra incluía a produção de filmes de treinamento militar, de propaganda e educação para o público americano - e de libelos antinazistas. Mas não só isso. Seus desenhistas criaram mais de mil insígnias usadas por divisões das Forças Armadas. As ações dos estúdios Disney "foram uma das principais bombas que os exércitos aliados lançaram contra seus inimigos", afirma Clotilde Perez, professora da Escola de Comunicação e Artes da USP. Disney, claro, não estava sozinho. Muitos outros diretores e atores de Hollywood se engajaram na luta contra os países do Eixo depois de Pearl Harbor. Mas era difícil concorrer em popularidade - e em volume de produção - com o pai de Mickey Mouse.
O envolvimento entre Disney e o governo começou antes da entrada dos EUA na guerra. Em busca de novos mercados - mas principalmente de aliados estáveis no continente -, o presidente Franklin Roosevelt criou a chamada "política da boa vizinhança". O responsável pelo programa era o milionário Nelson Rockefeller, que alertara o presidente sobre a influência nazista na América Latina. Em agosto de 1941, Disney estava ao lado do enfant terrible Orson Welles em terras brasileiras. Welles havia acabado de lançar Cidadão Kane. Por aqui, filmou jangadeiros, investiu num roteiro sobre um garoto e seu touro, tentou um documentário chamado É Tudo Verdade... E a verdade é que nada deu certo. Ao contrário de Disney. No Rio de Janeiro, inspirado pela natureza e, dizem, pelas piadas de papagaio, criou Zé Carioca - o tipinho folgado, de guarda-chuva e gravata-borboleta, que atazanaria o Pato Donald em Alô, Amigos, de 1943.
A partir de 1942, com os EUA no front, Disney engajou-se de vez. Seus estúdios foram transformados em alojamentos e centenas de militares passaram a residir ali. Marinha, Aeronáutica e Exército requisitavam a todo momento a presença do artista para colaborar com as ações de combate. Inspirados pelos oficiais, os personagens de Disney também foram para as trincheiras. Pato Donald estrelou um filme em que mostrava aos cidadãos americanos a importância de pagar em dia os impostos. Era o dinheiro do contribuinte que financiava as atividades bélicas além-mar. Nos aviões, navios, hospitais e ambulâncias, a turma do Mickey desfilava tentando elevar a autoestima da nação. Em um dos curtas metragens, Out of the Frying Pan into the Firing Line, (Saindo da Frigideira para a Linha de Tiro), Minnie, de saia azul, avental, sapatos de salto alto vermelhos e laçarote na cabeça, está preparando ovos com bacon. Na parede, uma foto de Mickey, de farda, transcende otimismo (é a única imagem em toda a história do rato em uniforme militar). Ela está prestes a despejar gordura sobre a ração de Pluto quando o locutor de rádio interrompe a ação com um alerta às donas de casa: quem desperdiça o resto da gordura da cozinha está favorecendo os exércitos inimigos. E não é por elevar o colesterol das tropas nacionais. Minnie deve saber que a mesma gordura serve também para fazer munição. O locutor explica que se deve depositar o óleo usado em uma vasilha e congelá-lo. Quando o pote estiver cheio, um açougue identificado por um selo do governo trocará a gordura por dinheiro.
Nos meses seguintes as produções se sucederam. Em Victory Through Air Power (Vitória por Meio do Poder Aéreo), de 1943, a propaganda sutil dá lugar a um manual de como vencer o Japão por meio de bombardeios. Baseado no livro do major Alexander P. Seversky, o filme mistura desenhos e imagens para mostrar como a aviação transforma o poderio bélico e o rumo das guerras. Os traços típicos das superproduções Disney prestam-se a detalhar como é a melhor forma de bombardear países inimigos. O filme retrata a expansão das tropas de Hitler pela Europa e o ataque da Marinha japonesa à base de Pearl Harbor. Seversky ensina estratégias de de ataque, mostra mapas e projetos para bombardear indústrias bélicas do Eixo. Ele evidencia o caminho da vitória: investir em bombardeios aéreos em solo japonês. Ninguém sabia ainda que, em agosto de 1945, o país da Disneylândia lançaria bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.
O ponto alto das animações de propaganda de Disney são os filmes contra o nazismo. Num deles, Der Führer's Face (A Face do Führer), de 1943, Donald é funcionário de uma fábrica de munições na Alemanha e é ameaçado de morte a qualquer sinal de cansaço - e devidamente vestido de nazista, como você viu na abertura desta reportagem. Em The Hitler's Children - Education for Death (As Crianças de Hitler - Educação para a Morte), o pequeno Hans é acompanhado desde o nascimento até se tornar um nazista fanático quando jovem. Numa das sequências que parodia a lenda da Bela Adormecida (que o próprio Disney lançaria só em 1959), Hitler é um príncipe medieval que salva a donzela Alemanha da bruxa Democracia. Ao longo do filme, a Bíblia se transforma em Mein Kampf e o crucifixo cristão dá lugar à suástica - mais direto, impossível.
1. Vitória por meio do poder aéreo (Victory Through Air Power, 1943)
O filme é uma aula do uso da aviação como arma de guerra, baseado no livro do major Alexander P. Seversky. Até Santos- Dumont é citado no filme - claro, depois dos irmãos Wright. Há o humor típico dos filmes de Disney, como a metralhadora que vai destruindo a hélice do caça. E Serversky aparece para defender seu ponto de vista: a Aeronáutica, com bombardeiros pesados e caças velozes, poderia decidir o destino da guerra.
2. Saindo da Frigideira... (Out of the Frying Pan into the Firing Line, 1942)
Com Minnie como protagonista, o desenho, de 3 minutos, molda ações e atitudes dentro do território americano: aqui, as donas de casa devem guardar a gordura que sobra das frituras, útil para a indústria de munição.
3. As crianças de Hitler (Hitler's Children - Education for Death), 1943
O protagonista aqui é um menino alemão, Hans, que Disney usa para falar da lavagem cerebral nazista. Quando seus pais vão registrá-lo, há uma lista de nomes proibidos, como Franklin e Winston (referencia ao presidente americano e ao primeiro-ministro britânico). Na escola, ele fica de castigo por defender uma lebre numa fábula em que o bicho é comido por uma raposa.
4. Você já foi à Bahia? (The Three Caballeros, 1944)
A iniciativa americana de criar e manter alianças na América Latina foi um capítulo especial da diplomacia na 2ª Guerra. Vários países, entre os quais o Brasil, nutriam simpatia pelo nazismo. Um dos fronts da política da boa vizinhança foi a cultura. Zé Carioca é fruto disso. Ele é a estrela de Você Já Foi à Bahia?, de 1944, uma reunião de curtas em que aparecem pinguins da Antártida e um burrico voador argentino. No episódio brasileiro, Zé e Donald contracenam com Aurora Miranda, irmã de Carmen, pelas ruas da Bahia. A coisa piora quando encontram Panchito, o amigo mexicano, que distribui tiros e se encarrega de introduzir uma das cenas mais bregas da história do cinema: a atriz Carmen Molina, cujo rosto aparece no meio de uma flor... Duro aguentar vizinhos assim
Fonte: Guia do Estudante
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