O líder da Al Qaeda foi lançado ao mar pelos americanos. Surpreendente? Nem um pouco. Desaparecer com o corpo de um inimigo que pode criar problemas depois de morto, como o führer, é comum desde a Roma antiga
O cemitério de Père Lachaise fica no fim da avenue de la
République e é atração turística em Paris. Ali repousam os corpos de
celebridades, como Balzac, Oscar Wilde, Chopin, Maria Callas, Isadora
Duncan, Allan Kardec... Mas é o túmulo de Jim Morrison, da banda The
Doors, o que assusta as autoridades parisienses. Morto em 1971, aos 27
anos, Morrison se tornou uma espécie de mártir de sua geração - teria
sido mesmo uma overdose ou foi uma conspiração da CIA para eliminar
agitadores como ele, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Brian Jones?
Sua
tumba virou ponto de peregrinação, culto e vandalismo. No início de
maio, quando os americanos lançaram o corpo de Osama bin Laden no mar,
cortaram pela raiz a chance de seus seguidores também terem um local
para pranteá-lo, para transformar em destino de peregrinação e para
manter como foco de propagação de suas ideias. Se a cova de um roqueiro
tinha esse poder, do que seria capaz o túmulo de um líder terrorista?
Em
geral, quando não se teme mais o inimigo derrotado, os vencedores
costumam exibir seu corpo como troféu. Aquiles fez isso na Guerra de
Troia, ao arrastar o corpo de Heitor - uma reação natural quando você
derrota alguém que o combate há muito tempo. "Provavelmente, muitos nos
Estados Unidos gostariam que Barack Obama tivesse preso o abatido Bin
Laden a um carro e o arrastasse pelo empoeirado Afeganistão", afirmou o
articulista Jacinto Antón, no jornal espanhol El País. "Desonrar e
mutilar o líder inimigo caído, converter seu crânio em taça, cortar uma
mão ou o cabelo tem sido habitual na história." O problema é quando o
inimigo continua perigoso mesmo depois de morto. Nesse caso, a melhor
estratégia é sumir com o corpo o quanto antes - foi assim que Roma agiu
quando eliminou o general cartaginês Aníbal e Cleópatra.
No século
20, não haveria corpo mais perigoso que o de Adolf Hitler. Ele não
ofereceu a oportunidade de ser preso pelos soviéticos (não queria virar
troféu dos Aliados). Depois de almoçar, às 15h30 do dia 30 de abril de
1945, seguiu para seu quarto e encontrou a amante Eva Braun (com quem se
casara na véspera). Ouviu-se um tiro. Sentado no sofá, Hitler estava ao
lado de Eva - ela teria tomado cianureto.
Funcionários leais ao
ditador seguiram sua recomendação escrita e tentaram cremar os cadáveres
com petróleo numa cratera ao lado do bunker. A história foi confirmada
por Traudl Junge, secretária de Hitler, e Rochus Misch, seu
guarda-costas. O Exército Vermelho interrogou os sobreviventes e partiu
em busca do corpo do führer. Dois dias depois, encontrou o que sobrou da
cremação de Hitler e Eva.
Os vencedores, diferentemente do que
Hitler temia, não o queriam como troféu - sabiam de seu poder mesmo
depois de morto. Por isso, o material foi recolhido e enterrado na
cidade de Maddeburg, na antiga Alemanha Oriental, em local conhecido por
poucas autoridades. Josef Stálin, em pessoa, deu ordem para que tudo
que dissesse respeito aos restos de Hitler fosse transformado em segredo
de Estado. O bunker foi destruído em 1947. Ao longo dos anos, temendo
que o segredo vazasse e atraísse nazistas em peregrinação, os soviéticos
mudaram a tumba várias vezes, até 1970.
O general Vasily
Khristoforov, arquivista-chefe do Serviço de Segurança Federal da
Rússia, órgão que sucedeu a KGB depois do fim do comunismo, disse
recentemente à agência Interfax que documentos da KGB comprovam a ordem
de autoridades soviéticas para que os corpos encontrados no bunker
fossem destruídos. Agentes teriam feito uma fogueira com o material e só
pararam quando tudo virou cinzas, jogadas no rio Shoenebeck.
Guardaram-se apenas uma parte de um crânio com um buraco de bala, que
acreditava-se ser de Hitler, e um pedaço de mandíbula.
Assistentes
do dentista do führer, presos pelos soviéticos, teriam confirmado que a
arcada dentária era mesmo do nazista. Aqui o mistério aumenta. O
pronunciamento de Khristoforov aconteceu meses depois de cientistas
americanos descobrirem que o tal crânio furado pertencia a uma mulher
anônima de menos de 40 anos. Análises de DNA, feitas na Universidade de
Connecticut, nos Estados Unidos, confirmaram que a única evidência
física do suicídio de Hitler não pertencia ao ditador. "Hitler se tornou
paradigma quando se fala em algoz. Nesse contexto, ele e Bin Laden se
tornam dignos de comparação", diz Ana Maria Dietrich, professora da
Universidade Federal do ABC, em São Paulo.
Outro inimigo dos
Estados Unidos, Che Guevara (veja ao lado), que prometia criar "um,
dois, três, muitos Vietnãs", foi morto em 1967 na Bolívia e teve as mãos
decepadas - para identificação por peritos forenses e para esconder sua
identidade depois de enterrado. O jornalista americano Jon Lee
Anderson, da revista The New Yorker, descobriu o local da cova coletiva
onde estaria o corpo de Che, perto de um campo de aviação, ao
entrevistar um militar boliviano reformado, em 1995. Os restos mortais
foram levados para Havana e atraem milhares de cubanos e turistas
estrangeiros ao seu mausoléu. "Com o enterro no mar de Bin Laden, os
Estados Unidos supostamente trataram de evitar uma longa e interminável
saga de 'onde ele está enterrado?'", escreveu Anderson.
Corpos anônimos
A POLÍTICA DE SUMIR COM O ADVERSÁRIO
Corpos anônimos
A POLÍTICA DE SUMIR COM O ADVERSÁRIO
CHE GUEVARA
Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana, foi morto por militares na Bolívia em 1967, diante de um agente da CIA. As mãos foram cortadas e enviadas para os EUA e ele acabou numa vala comum. Em 1997, depois que se descobriu o paradeiro do corpo, foi repatriado para Cuba, onde ocorreu uma grande celebração. Seu túmulo é ponto de visitação, mas não há a certeza absoluta de que o corpo seja mesmo do argentino.
OLIVER CROMWELL
O militar que derrubou o rei Carlos I e instaurou uma república na Grã-Bretanha, entre 1653 e 1658, morreu de malária - ou foi envenenado. A partir de 1660, com a restauração da monarquia inglesa, Cromwell foi desenterrado para ser "executado postumamente". Uma corrente de historiadores defende que o corpo foi jogado antes no Tâmisa por seus partidários (para não ser vilipendiado).
BENITO MUSSOLINI
O ditador fascista foi fuzilado ao lado da amante por integrantes da resistência nas cercanias do lago. Como, em 1945, quando tentava fugir do país. Seu corpo ficou pendurado de cabeça para baixo por vários dias em Milão e só foi devolvido à família em 1957 (que o enterrou em Predappio, no norte da Itália). Antes, porém, foi roubado por fascistas de uma cova anônima. Sem saber o que fazer com o cadáver, o entregaram a um padre depois de alguns dias.
COMANDANTES NAZISTAS
Os nazistas condenados à morte pelo Tribunal de Nuremberg, ao fim da Segunda Guerra, tiveram os corpos incinerados e jogados no rio Issar. O corpo de Adolf Eichmann, preso por um comando judeu na Argentina e julgado em Israel, foi lançado ao mar. Rudolf Hess, um dos últimos líderes nazistas a morrer (em 1987), teve o corpo devolvido à família sob a condição de que fosse enterrado em segredo.
Che Guevara, um dos líderes da revolução cubana, foi morto por militares na Bolívia em 1967, diante de um agente da CIA. As mãos foram cortadas e enviadas para os EUA e ele acabou numa vala comum. Em 1997, depois que se descobriu o paradeiro do corpo, foi repatriado para Cuba, onde ocorreu uma grande celebração. Seu túmulo é ponto de visitação, mas não há a certeza absoluta de que o corpo seja mesmo do argentino.
OLIVER CROMWELL
O militar que derrubou o rei Carlos I e instaurou uma república na Grã-Bretanha, entre 1653 e 1658, morreu de malária - ou foi envenenado. A partir de 1660, com a restauração da monarquia inglesa, Cromwell foi desenterrado para ser "executado postumamente". Uma corrente de historiadores defende que o corpo foi jogado antes no Tâmisa por seus partidários (para não ser vilipendiado).
BENITO MUSSOLINI
O ditador fascista foi fuzilado ao lado da amante por integrantes da resistência nas cercanias do lago. Como, em 1945, quando tentava fugir do país. Seu corpo ficou pendurado de cabeça para baixo por vários dias em Milão e só foi devolvido à família em 1957 (que o enterrou em Predappio, no norte da Itália). Antes, porém, foi roubado por fascistas de uma cova anônima. Sem saber o que fazer com o cadáver, o entregaram a um padre depois de alguns dias.
COMANDANTES NAZISTAS
Os nazistas condenados à morte pelo Tribunal de Nuremberg, ao fim da Segunda Guerra, tiveram os corpos incinerados e jogados no rio Issar. O corpo de Adolf Eichmann, preso por um comando judeu na Argentina e julgado em Israel, foi lançado ao mar. Rudolf Hess, um dos últimos líderes nazistas a morrer (em 1987), teve o corpo devolvido à família sob a condição de que fosse enterrado em segredo.
Fonte: Aventuras na História
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