Por Ivo Pereira do Nascimento; Tiago Pereira Bartolomeu; Verônica Aparecida de Moura e supervisão do prof. Ms. André Wagner Rodrigues
Apenas há pouco tempo foi tornado objeto de estudo o fato óbvio de que o homem, e, portanto a História, é formado tanto por seus sonhos, fantasia, angustias e esperanças quanto por seu trabalho, leis e guerras.
É preciso considerar o pano de fundo mental, “o nível mais estável, mais imóvel das sociedades” (Le Goff: 69), para se ver em profundidade as motivações e os moldes da historia econômica, política, social e cultural.
Como a palavra “mentalidades” tem outros sentidos, talvez história psicossocial fosse uma expressão menos ambígua, indicando o primado psicológico nos seus aspectos mais profundos e permanentes, mas sempre manifestados historicamente, dentro e em razão de um determinado contexto social, que por sua vez passa agir em longo prazo sobre aquele conjunto de elementos psíquicos coletivos.
“O homem é plural na cultura e singular na mentalidade”
Tendemos a esquecer que aquilo que chamamos de História representa menos de 1% do tempo de existência da espécie humana. Tempo que, por mais rico e acelerado que tenha sido não pode alterar tudo. Aas ondas da História, mesmo violentas, pouco mexem com o fundo do oceano, centenas de metros abaixo.
Os historiadores tentam fazê-lo por meio da analise dos imaginários da sociedade estudada, os quais trazem a tona dados da mentalidade através de significantes (palavras, símbolos, representações) que refletem e alteram, de maneira lenta, os significados (conteúdos essenciais) da mentalidade, daí a dinâmica desta.
A visão Hierofânica do mundo
Para o homem medieval, o referencial de todas as coisas era sagrado, fenômeno psicossocial típico de sociedades agrárias, muito dependentes da natureza e, portanto, à mercê de forças desconhecidas e não controláveis.
Desamparado diante de uma natureza freqüentemente hostil, o homem encontrava as origens disso, e as possíveis escapatórias, num mundo do Além. Sem duvida, aquela era uma “sociedade habituada a viver sob o signo do sobrenatural” Esbarramos aqui em dificuldades terminológicas importantes. Falar em sagrado desperta hoje a odeia de oposição com o profano, quando na verdade esta palavra quer dizer mais “diante do trono” (Pro Fanum) do que “fora do templo”.
Ou seja, não se trata de conceitos opostos (como pensava a sociologia das religiões do século XIX), e sim complementares.
Não havia propriamente aquilo que chamamos sobrenatural: a própria palavra surgiu apenas no século XIII, no contexto do desenvolvimento de uma nova concepção de natureza.
Podemos então falar na sociedade medieval vivendo sob o signo da – para usar a expressão consagrada por Mircea Eliade – hierofania, ou “manifestação do sagrado”.
“O sagrado do ponto de vista medieval engloba o profano”
Exemplo: Quando o sobrinho de Carlos Magno, Rolando, é morto pelos inimigos na Espanha, em toda a França chove, venta, troveja, escurece, a terra treme fenômenos que continuam a ser considerados naturais, porem revelando algo mais naquele contexto, a dor pela morte do herói.
Isto quer dizer que era o “sobrenatural” se mostrando no “natural”, fenômeno de todas as religiões, mas especialmente importante no cristianismo, centrado na maior hierofania possível – Deus de fez homem.
Na sua onipotência e presciência, Deus esta presente nos mais diferentes eventos e locais, mesmo naqueles que os puristas não associam normalmente a Ele. Nas batalhas medievais, Deus, ou algum representante seu (Anjo, Santo), sempre participa e define o resultado.
Ele não resolve a pendência sem a batalha, para dar chance aos homens de melhor expressarem seu envolvimento com Ele.
A comunicação entre os mundos humano e divino estava sempre aberta. Era mesmo possível passar de um para o outro, pois a geografia simbólica de então os colocava muito próximos. Tais viagens eram empreendidas das mais diversas formas e quase sempre havendo um guia (anjo, animal, alma) dirigindo o personagem ao objetivo (o inferno, geralmente no mundo subterrâneo, ou o Paraíso, numa ilha ou montanha).
Como no Ocidente medieval as coisas ocorriam “assim na terra como no Céu”, segundo a principal oração cristã, as transformações da sociedade deram origem, na segunda metade do século XII, a um terceiro espaço não terreno, o Purgatório. Com este, amenizava-se o dualismo, adequava-se o imaginário às transformações sociais do período e completava-se a geografia do Além.
As práticas Mágicas
A interpretação hierofânica do universo se expressa especialmente através de praticas mágicas, isto é, de alterações da realidade visível graças a intervenções da realidade invisível. Quer dizer, a magia era entendida como uma hierofania de outras hierofanias.
Na Idade Média, a magia tinha três tipos de manifestação: o milagre, o maravilhoso e a feitiçaria.
Algumas tentativas foram feitas por alguns escritores e pesquisadores de aplicar à Idade Média a separação antropológica entre feitiçaria (técnicas dominadas conscientemente por alguém) e bruxaria (poderes inconscientes, inerentes ao individuo).
Nos primeiros séculos medievais, “chamar um médico, um mago ou um sacerdote durante uma enfermidade era indiferente” (Giordano: 147). Acreditava-se que toda doença fosse causada por um agente externo ao organismo, sai a necessidade de amuletos, filtros ou exorcismos para obtenção da cura. Noutros termos, a magia que causa a doença deve ser combatida por outra magia.
Os milagres terapêuticos, os mais frequentemente pedidos, eram uma espécie de contra magia. Nessa linha de indiferenciação entre magia divina (milagre) e magia diabólica (feitiçaria), esteve a questão em torno do ordário.
Este se baseava na idéia de que Deus se manifestaria quando lhe fosse pedido um julgamento.
Contudo, sempre se temia que o acusado recorresse a outra magia, que não a divina, para escapar à condenação. Sendo difícil saber a origem daquela hierofania (como por exemplo, um homem segurar um ferro em brasa sem se queimar), passou-se a questionar a validade do ordário. Por fim, em1215, a igreja aboliu a prática do ordário como prova jurídica.
A visão hierofânica ou teofânica do mundo do universo significava uma visão na aparência dualista, na essência unitarista. Mesmo onde a unidade parecia ameaçada sabia-se que, pelo menos com o Fim dos Tempos, ela seria restaurada. O Diabo não tinha existência autônoma, própria, em ultima analise era redutível a Deus, era a outra face Dele. Eram complementares.
FONTE: História em Perspectiva
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